Nos Açores, a brisa marítima traz-nos mais do que notícias do presente. Cada vaga que se esmaga contra as rochas basálticas relembra-nos que o futuro passa por ali e que esse futuro é tão urgente como respirar.
Portugal nunca deveria ter abandonado o mar. Desde o final dos anos 90 que se entendeu o erro e se encetaram verdadeiros esforços na sua correção. No início, curiosamente, ninguém conseguiu antever qual seria o percurso que nos levaria de volta aos oceanos. Apenas sabíamos que tínhamos de ir e isso já não era nada mau.
Apareceram então diversas iniciativas razoavelmente felizes e que, muitas vezes sem apontar verdadeiros caminhos, tiveram o enorme mérito de levar as pessoas a pensar, a debater e a galvanizar-se sobre o que se considerava essencial. Antes disso, entre o advento da democracia e este período, apenas contabilizei ações individuais, esforçadas, mas isoladas. Na minha estante está, cronologicamente só, o “Fauna Submarina Atlântica” do saudoso Professor Luiz Saldanha.
Grande parte dos resultados apontava já, mesmo se implicitamente, para dois importantes vetores de atuação: planeamento e trabalho. E foi isso que foi feito. Surgiram alguns documentos estratégicos, acompanhados de diversas iniciativas individuais ou coletivas, com particular destaque para o Livro Branco para a Política Marítimo-Portuária e a Expo’98. O mar passou a ser uma prioridade inquestionável e todos estavam de acordo que tinham de arregaçar as mangas e, coordenadamente, fazer.
É importante relembrar os pontos essenciais do que foi feito até aqui. Não foram na altura evidentes como tal, mas, em retrospetiva, lembro-me bem daqueles que, agora, me parecem ter sido os fatores descriminantes.
Começou-se a agir e não houve hesitações, novas invenções ou ideias originais. Fez-se. Todas as ações, e houve muitos improvisos típicos da reconhecida “engenharia” lusitana, foram no sentido de consubstanciar o percurso. Até aqui, cumpriu-se o programa. Estabeleceu-se uma Estratégia Nacional para o Mar e propôs-se a delimitação da plataforma continental contígua a Portugal, entre muitos outros resultados que contribuíram para o sucesso da rota.
Nos Açores, em paralelo, agimos em áreas que, apesar de estarem longe das prioridades continentais, se encaixavam bem no percurso a fazer. Orientámo-nos para a proteção de espécies e habitats, tendo criado o primeiro conjunto coerente de áreas marinhas protegidas e lançado novas utilizações para, por exemplo, baleias, golfinhos e cachalotes. Em 2007, os Açores, corajosamente, aprovaram legislação que abria o caminho para a proteção de espaços para lá das águas sob jurisdição nacional. Visto à distância, temos que reconhecer a visão, a oportunidade e mesmo a necessidade desse compromisso para com o espaço que se transformaria na “extensão da plataforma continental”. Se hoje podemos já falar em zonas classificadas fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal, estas magníficas nove ilhas da Macaronésia foram peças essenciais para a estruturação deste complexo
puzzle.
O esforço feito para recuperar a população de focas-monge na Madeira foi inspirador e bem-sucedido. De poucos animais, hoje estamos perante uma população robusta destes animais emblemáticos.
Independentemente de alguns ajustes necessários, que o tempo se encarregará de fazer, a revisão da Estratégia Nacional para o Mar e a reorientação do planeamento espacial marítimo são iniciativas na generalidade positivas. Há que afinar os instrumentos para que se tornem verdadeiras respostas aos desafios atuais e aos que nos esperam. Abraçamos quase todas as alterações, mesmo se com algumas dúvidas. No entanto, é perigoso e contraproducente ferir as autonomias e as conquistas regionais. Ao mesmo tempo que há um crescendo de relacionamento com o mar a nível nacional, não podemos impor passos atrás aos atores regionais, retirando-lhes, injustificadamente, responsabilidades e oportunidades.
Em particular, a Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão necessita de ser expurgada de conflitos com a Constituição e com os estatutos político-administrativos das regiões autónomas. É essencial que as plataformas continentais contíguas às regiões sejam por elas geridas e isso inclui, como não poderia deixar de ser, o seu planeamento. No momento em que escrevo estas linhas, ainda estamos a tempo de fazer um bom trabalho.
Hoje em dia, o planeamento nacional passa claramente pelo estudo, caracterização, divulgação e implementação de estratégias e ações consequentes no uso e proteção do mar Português. Fez-se um bom trabalho. Nada disto nos deve, no entanto, deixar adormecer sobre os louros. É necessário agir.
O caminho, em Portugal, passa neste momento por garantir que são filtrados regulamentos e legislações que, inutilmente, atrasam ou inibem os investimentos. Esse é o passo que se segue. Temos que atrair os empreendedores e utilizadores dos mares para que sejam eles agora a pegar no leme. Isso implica que a Administração se torne, essencialmente, invisível. A Administração terá que garantir a segurança ambiental, a silenciosa dinamização dos diferentes setores, a acessibilidade aos recursos e que os resultados sejam distribuídos de forma equitativa. Mais do que isso, poderá ser excessivo e contraproducente.
A Administração central terá que encontrar os aliados certos para que isso aconteça. As regiões autónomas são, sem sombra de dúvida, dois desses parceiros. São elas que, graças às suas enormes subáreas da Zona Económica Exclusiva do nosso país, legitimam e puxam geograficamente Portugal para o mar.
Fruto de uma energia e de um entusiamo crescente, Portugal encontra-se cada vez mais comprometido com o seu próprio futuro. Este não é o momento de perder oportunidades, mas sim de agitar a bandeira de partida e fazer.
A nível global, vejo com muita curiosidade um planeta a querer passar de um verde que nunca chegou a ser, para um azul que se impõe até pela urgência. Talvez esteja, finalmente, o mundo a encontrar-se consigo próprio. Fico orgulhoso por pertencer a um país e a uma região que estão a contribuir ativamente para essa extraordinária aventura.